quarta-feira, 29 de abril de 2009

Bushido : A arte de morrer.

Bushido, a arte de morrer
Benedicto Ferri Barros*

"O Bushido consiste em morrer". Como todos os enunciados da essência das coisas, este originou extensas explicações, interpretações e controvérsias.

O próprio Hagakure, em onze volumes, foi e é objeto de infindáveis comentários. Fato incontestável é que o primeiro treinamento do samurai era no sentido de estar pronto, até mesmo para dar-se à própria morte por um dos processos mais penosos que se possa imaginar.

Nenhum samurai digno desse nome jamais falhou a esse primeiro e culminante mandamento do bushido. Desde o primeiro seppuku, vulgarmente denominado harakiri, praticado por Minamoto Tametomo em 1170, segundo nos informa José Yamashiro, na sua História dos Samurais, até o de Mishima Yukio em 1970, o suicídio por "desventramento", constitui um gesto limítrofe e distintivo do código de elite samuraico.

Há exemplos históricos de crianças (oito anos), adolescentes, mulheres e grupos numerosos de samurais praticando o seppuku quando o bushido o exigia. Praticar o seppuku, dar-se à própria morte, era privilégio do samurai. Ele tinha o direito de usá-lo para se desagravar de uma injustiça, para manter sua honra, ou simplesmente para sugerir o caminho correto ao seu superior.

Havia um minucioso ritual para tais ocasiões solenes, mas em situações de emergência o samurai utilizava a própria wakizashi, a espada curta de que também se servia para decapitar os que vencera ou justiçara com a katana (espada longa). O uso desse par de espadas (dai-sho) era, igualmente, privilégio restrito ao samurai.

Assim, duplamente equipado da espada, que Tokugawa Ieyasu, o fundador do terceiro shogunato, considerava "a alma do samurai", marchava o guerreiro pelo seu caminho - o bushido.

O samurai tinha direito de executar sumariamente qualquer membro das classes tidas como hierarquicamente inferiores. Mas o direito e arte de matar não eram a essência do bushido. O bushido consistia em estar preparado e em saber morrer. Nada poderia dar melhor medida de um samurai do que a disposição de encarar a morte "tão leve como uma pluma". O seppuku o redimia de qualquer desonra, nada o tornaria mais vil quanto o apego à vida.

Não é fácil ao ocidental compreender essa capacidade de sacrifício do samurai, mormente quando, sabidamente, e num grau pelo menos tão elevado quanto o de qualquer ocidental, o samurai prezava, a despeito de sua frugalidade espartana, os prazeres e valores da vida. Nem é fácil aos próprios orientais explicá-la.

Fosse o bushido mero regulamento ou guia de formação de um guerreiro, deveria talvez dizer que o samurai devia estar preparado para matar. Entretanto, embora as artes marciais fossem parte essencial da formação especializada do samurai em dar a morte, diz o bushido expressamente que o caminho do guerreiro, seu código ético, seu ideal é morrer.

Que significa esta formulação que exprime a essência mesma da ética samurai?

O samurai não vivia única e eternamente em batalhas e duelos. Sob tais condições é uma verdade segura e cristalina que o destemor da morte e a disposição ilimitada de perder a vida é a precondição para salvá-la. Em tais casos, a disposição de morrer se confunde com a coragem ilimitada, a bravura produzida pela eliminação total do medo. Entretanto, além de um guerreiro em situações de batalha, onde tais virtudes lhe davam um valor militar reconhecido por todos seus adversários, o samurai, como homem, exercia outras funções e em todas elas não perdia de vista o seu caminho, o Norte indicado pelo bushido: "O bushido é morrer. Se mantiveres teu espírito correto da manhã à noite, acostumado à idéia da morte e resoluto perante ela, e se te considerares com um corpo morto, unificando-te desta forma com o caminho do guerreiro, poderás passar pela vida sem possibilidades de falhares, desempenhando-te corretamente de tuas funções" -, diz o Hagakure precisamente, "viver consiste em morrer. Em se estar preparado para a morte. Para morrer como um homem. Um homem se reconhece de dar sua vida. Não apenas numa batalha, mas em tudo aquilo que faz. Não apenas na morte - que, para um guerreiro, sobretudo, pode ser o ponto mais alto ou mais baixo de sua vida - mas a cada instante e ato de sua vida."

Tal entendimento se filia a um dos preceitos enunciados no "Regulamento" de Katô Kiyomasa quando sentencia: "Em tudo o que um homem faça deve ter posto o seu coração". É indiscutível, comenta Furukawa Tesshi buscando o sentido essencial do bushido - que "todo ser humano contém em sua constituição um limite supremo que o solicita constantemente (...). Na proporção da intensidade e sinceridade com que um indivíduo corresponde às solicitações desse limite supremo, suas possibilidades são ampliadas e enriquecidas. Um homem pode ampliar e enriquecer as possibilidades de sua existência ao máximo, morrendo a cada manhã, a cada tarde, a cada instante, isto é, mantendo-se permanentemente de frente com o limite máximo de sua existência no mundo" - que é a morte.

Aqui chegamos, como freqüentemente sucede ao analisarmos as formulações aparentemente antípodas da sabedoria nipônica, ao encontro e solução dos contrários.

É algo bastante conhecido, e igualmente misterioso para o entendimento ocidental corrente, que um dos homens que mais amou a vida, seus encantos e seus valores, dos mais simples aos mais elevados, haja indicado a morte como o verdadeiro caminho da vida. Cristo disse: "Aquele que estiver ansioso por salvar sua vida a perderá e o que estiver disposto a perdê-la a salvará".

Por mais diversos, ou até opostos como podem ter sido e foram seus caminhos, o mártir cristão e o grande samurai concordavam com a relação ao preceito ético supremo de uma vida exemplar; não achará a vida quem não buscar a morte, ou mais brandamente enunciado: quem em qualquer causa e ato em que empenha não estiver disposto a dá-la. Em tudo o que um homem faça deve ter posto seu coração - ao limite - como disse Katô Kiyomasa. Eis como o bushido, transcendendo o mero e estreito objetivo de formar um militar, apontou o difícil caminho e a porta estreita que fizeram do samurai uma elite humana tão alta quanto as mais altas que o homem soube fazer de si.

(*) Benedicto Ferri Barros
É autor de: Japão - A harmonia dos contrários
São Paulo, 1988. T.A. Queiroz Editor Ltda.
= extraído do livro =


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